segunda-feira, 30 de julho de 2012


ÊNFASES DOMINANTES NO ENSINO DA MATEMÁTICA E ALGUMAS INDICAÇÕES PARA MUDANÇAS. (*)

(*) Trabalho publicado na RPM Nº 6, pág. 32, no primeiro semestre de 1985.

Luiz Roberto Dante

Ao analisar ampla e profundamente o ensino da Matemática em todos os níveis e, em especial nos níveis fundamental e médio, podemos contatar certas ênfases que vêm sendo dadas a este ensino, em detrimento de outras. O objetivo deste trabalho é apresentar estas ênfases, fazer breves comentários a respeito delas e propor mudanças que, para nós, parecem significativas para a melhoria do ensino da Matemática em nossas escolas.
Assistindo aulas de Matemática, verificando os cadernos dos estudantes, analisando planejamentos escolares, textos, apostilas, provas e testes aos quais os estudantes são submetidos, constatamos que certos aspectos do ensino da Matemática são supervalorizados e enfatizados, enquanto que outros, que nos parecem mais desejáveis, são negligenciados ou, quando muito, pouco enfatizados. Constatamos as seguintes características:
1. Ênfase nas codificações precoces, na linguagem e no simbolismo, em destino das idéias matemáticas.
Desde a primeira série do ensino fundamental, o aluno é colocado em contacto com a codificação dos números naturais já no sistema de numeração decimal onde, por exemplo, lhe é pedido para escrever números de 1 a 100, sem que ele tenha ainda experienciado a idéia de quantidade. Para explorar de modo  mais  criativo,  por exemplo, a idéia da  quantidade  cinco
podemos solicitar a uma criança que faça um desenho usando cinco traços (uma outra pode verificar se está usando mesmo cinco), que construa algo com cinco blocos, que procure alguma coisa escondida tendo direito a olhar em cinco lugares, que invente uma estória com cinco personagens, que disponha de todas as maneira possíveis cinco tampinhas.

                                     etc,
que junte grupos de tampinhas que totalizem cinco, como por exemplo,
● com ●●●●, ●● com ●●●, ●●● com ●●, ●●●● com ●, nenhum com ●●●●●, que desenhe a estrela de cinco “pontas” e assim por diante, já tendo explorado assim a idéia de cinco, apareciam o símbolo 5, sem forçar o conceito abstrato de cinco ou do símbolo 5.
A contagem, registrada de várias maneiras como por exemplo, com traços.
І      ІІ       ІІІ      ІІІІ     ІІІІ     І        etc.
Ou assim
                                                                Etc.
Ou de qualquer forma que a criança queira registrar poderia acontecer a contagem dada já na codificação decimal.
Dadas  duas quantidades representadas, por exemplo, por
ІІІІІІІІІ        ІІІІІ                       e                          ІІІІІІІІІ          ІІІ
poderíamos explorar as idéias de juntar, somar, obtendo
ІІІІІІІІІ        ІІІІІІІІІ          ІІІІІІІІ
bem como a de tirar, subtrair, obtendo ІІ. Estas explorações deveriam anteceder as operações já codificadas como 15 + 13 ou 15 – 13.
Quanto à linguagem matemática, útil e poderosa em outros níveis, nas séries iniciais do ensino fundamental poderia deixar de ser tão enfatizada como é. Por exemplo, a idéia de que “ a soma de dois números naturais quaisquer é sempre um número natural” é tão intuitiva e tão bem aceita pelos alunos que não há necessidade de mascará-la com a sofisticada linguagem matemática.
a  N, b  e  N,  c  N / a + b = c
que é muito apreciada pelos alunos que trabalham anos em Matemática, mas não por crianças iniciantes. A linguagem matemática deve ser introduzida gradativamente  e à medida que for estritamente necessária.
Os simbolismos já aparecem até mesmo no nível pré-escolar, onde a criança se perde num emaranhado de símbolos como , c, , { }, 0, , ,     , etc, sem que os mesmos tenham algum significado para ela. As idéias mesmo do “está” ou “pertence”, da intersecção entre conjuntos, etc, não são exploradas suficiente antes de se utilizar todo esse aparato simbólico.
2. Ênfase no treino de habilidades e memorização de algoritmos em detrimento a uma aprendizagem compreensiva dos conceitos e propriedades envolvidas.
A habilidade mecanizada em recitar a tabuada, em efetuar cálculos envolvendo as operações definidas nos vários conjuntos numéricos, a habilidade em resolver os vários tipos de equações, a habilidade em calcular áreas e volumes de figuras geométricas, a habilidade em calcular a inversa de uma matriz, de determinar a derivada ou integral de certas funções, etc., é uma característica tão marcante no ensino da Matemática, que deixa a impressão que ensinar Matemática é ensinar tais habilidades e apenas isso. O pensar, as idéias, a compreensão dos conceitos e propriedades, a beleza construtiva e dedutiva da Matemática, as interpretações geométricas das propriedades, etc., soa pouco enfatizadas nesse ensinar.
A memorização de algoritmos sem compreender o que se faz é outro ponto crucial. Porque, por exemplo, “vai um” numa adição ? Por que se multiplica e divide assim dois números naturais ? Por que se extrai a raiz quadrada dessa maneira ? Por que se calcula o máximo divisor assim ? Aos alunos não é dada a oportunidade de conhecer os conceitos e propriedades matemáticas que estão por detrás disso tudo. A apresentação dos algoritmos, unicamente nas suas formas finais, acabadas e compactas, não dá aos estudantes, as idéias das gêneses destes algoritmos e tampouco a compreensão dos mesmos. Vejamos um exemplo para tentar mostrar o longo caminho que antecede a forma mais compacta e final de um algoritmo. Já na primeira vez que a criança entra em contacto com a divisão, ela é mecanicamente pelo algoritmo:  
Diríamos que isso é o “final da estória”. Senão vejamos.Poderíamos partir de uma situação real como “ Repartir igualmente R$123,00 entre 3 crianças” . Inicialmente isso poderia ser realizado concretamente, dando uma nota de R$100,00, 2 notas de R$10,00 e 3 notas de R$1,00 a três crianças e pedir que elas dividam igualmente entre si e caso necessitem de “troco” podem se utilizar do “banco” ao lado (que pode ser uma caixa de sapatos com notas de R$1,00, R$10,00 e de R$100,00 o dinheiro pode ser de verdade ou de cartolina, papel, etc.). Depois de várias tentativas, as crianças, incentivadas pelo professor, fazendo trocos e distribuindo as notas entre si, resolvem concretamente o problema. O professor registra o procedimento que elas tiveram. Um possível registro seria
Temos

Cada um recebe

100
10
1

100
10
1

1
2
3

0
0
0
Troca
0
12
3

0
0
0
Distribui
0
0
3

0
4
0
Distribui
0
0
0

0
4
1

Houve uma troca de uma nota de Cr$ 100,00 por 10 notas de Cr$ 10,00 e com as 2 já existente resultaram 12. Em seguida, houve duas distribuições: as 12 notas de Cr$ 10,00 e as 3 notas de Cr$ 1,00, resultando que cada um recebe 4 notas de Cr$ 10,00 e 1 nota de Cr$ 1,00. Aqui neste quadro já fica claro porque ao dividir 123 : 3, “ 1 não dá para dividir por 3 então ‘abraçamos’ o 2 ficando com             ”
Na verdade, estamos tomando 12 dezenas. O quadro acima pode ser simplificado para
     (“método longo”)
ou, reduzindo mais ainda ficar
                         (“método breve”)
Realmente, este último algoritmo tem a vantagem de ser o mais sintetizado, o mais compacto de todos, mas ensinar a divisão, pela primeira vez, utilizando-o, é esconder toda a compreensão evidenciada nos passos anteriores. Dar oportunidade para que o aluno experimente outras maneiras de dividir também é desejável. Por exemplo, poder-se-ia associar a divisão com subtrações sucessivas. Assim a divisão 15 : 3 pode ser traduzida pela pergunta “Quantos 3 cabem em 15 ? ”
15 – 3 = 12          12 – 3 = 9            9 – 3 = 6              6 – 3 = 3              3 – 3 = 0
   cabe                     cabem                 cabem                  cabem                  cabem
  1 vez                  2 vezes                3 vezes                 4 vezes                 5 vezes
Cabem 5 vezes, logo 15 : 3 = 5. Este método poderia ser usado ao introduzir a divisão de números pequenos. Para números grandes, uma variante deste método, é o chamado “método das estimativas”. Por exemplo 123 : 3 poderia ser obtido assim

123    3
 -30               10                    onde o estudante vai “estimando” se cabe 10 vezes
  93      10                    o 3 em 123, se cabe mais 10 vezes, etc, obtendo por
  30      20                    soma, o 41. Assim cabem 41 vezes o 3 no 123
  63        1                    Logo, 123 : 3 = 41
- 60      41
    3
  - 3
    0
Já na 5ª série, a justificativa do algoritmo com base na decomposição de um número em potências de 10 se faz necessário. Assim, para 123 : 3,
Primeiro vemos qual é o maior número entre, , , ,... tal que multiplicando por 3 não ultrapassa 123. Temos
100x 3 = 3
101x 3 = 30
102x 3 = 300
Logo é   101. Vemos a seguir qual é o maior entre
1 x 101 = 10
2 x 101 = 20
3 x 101 = 30
     
9 x 101 = 90
tal que multiplicado por 3 não ultrapassa 123. Temos
1 x 101 x 3 = 30
2 x 101 x 3 = 60
3 x 101 x 3 = 90
4 x 101 x 3 = 120
5 x 101 x 3 = 150
Logo é 4 x 101. Com essa aproximação temos
123 = (4 x 101) x 3 + 3
123 – 120 = 3. A seguir tomamos o resto 3 e repetimos o processo obtendo:
3 = (1 x  100) x 3
Daí, 123 = 4 x 101) x 3 + (1 x 100) x 3
              = (4 x 101 +1 x 100) x 3
              = 41 x 3
Veja tudo isso resumido no algoritmo
123                    3
-120                4 x 101 + 1 x 100 
   3                    
  -3                           41
   0
3. Ênfase em regras e esquemas em detrimento dos porquês, do significado do que se faz.
Quanto às regras e esquemas mecanizados vamos exemplificar apenas com um deles que é muito enfatizado. Ao resolver uma equação do 1º grau por exemplo, x + 5 = 11 é enfatizado o chavão “muda-se de membro, muda-se o sinal”. E é comum ouvir “explicações” do tipo “o sinal de igual é um transformador de sinais: ele transforma 0 + em – e   o x em: vice-versa” ou coisas assim: “para que o sinal + passe pelo = ele precisa se comprimir e tornar-se – e como está comprimido, ao passar pelo =, em outra oportunidade, ele se abre tornando-se + ”. Estas estórias não trazem consigo nenhuma idéia ou propriedade matemática e, portanto, não têm sentido, sendo mesmo prejudiciais.
Repare a diferença destas com uma outra interpretação que trás em si a idéia matemática correta: A igualdade representa um equilíbrio. È como se tivéssemos uma balança de dois pratos. Ao colocar um peso

x + 5   =      11
 

    

um dos pratos devemos colocar o mesmo peso no outro prato para manter este equilíbrio. O mesmo ocorre quando retiramos o mesmo peso de ambos os pratos. Assim, retirando 5 de ambos os pratos temos
x + 5 – 5          =         11 – 5    , ou seja,       x       =      6      
Percebemos que a propriedade matemática presente é que uma igualdade não se altera quando somamos ou subtraímos um mesmo número em ambos os membros. Outras interpretações poderiam ser exploradas, tais como, a que subtrair é o inverso de somar.
A + b = c  c – b = a
e relacionamentos intuitivos poderiam ser feitos com certas situações, tais como
Pense num Nº que somado com 5 resulte 11
Tinha um certo nº de figurinhas no álbum. Colei 5 e fiquei com 11. Quantas já estavam coladas ?
ou
Estou numa marca deste caminho
•      •        •        •        •        •        •        •        •        •        •        •        •        •
0     1       2       3       4       5       6       7       8       9       10     11     12     13
Se andar cinco marcas no sentido indicado chego na marca 11.
Em que marca estou ?
etc.
Ao abandonar essas justificativas e relacionamentos, na busca de um atalho para se fazer mais depressa os exercícios, surge o “passar para o outro membro mudando de sinal” que se cristaliza e permanece.
4. Ênfase no formalismo, nas abstrações precoces, em detrimento a um ensino mais intuitivo, menos formal.
A passagem do intuitivo ao formal corresponde à passagem do significativo, do criativo, ao denotativo, à linguagem. Quando apresentamos formalmente ao estudante uma propriedade matemática já na sua forma abstrata, generalizada, como por exemplo, para quaisquer naturais a   e   b   temos
(a + b)2 = a2 + 2ab + b2
o estudante a aceita sem questionar, sem descobrir nada, sem criar, como se fosse um dogma e procura decorá-la. Ao passo que Explorações intuitivas tais como verificar o que ocorre em, por exemplo, (3 + 4)já conhecendo 32 = 3 x 3   e   42 = 4 x 4
(3 + 4)2 = (3 + 4) . (3 + 4) = 3.3 + 3.4 + 4.3 + 4.4 =
            = 32 + 2.3.4 + 42
e, paralelamente, verificar o que ocorre no interior de um quadrado quando decompomos o seu lado em duas partes:
  3              4
3
32
3.4
3

4

4.3

42

4
  3             4                 Obtemos dois quadrados, um cuja medida do lado é 3,
outra cuja medida do lado é 4 e dois retângulos de 3 por 4.

Estas explorações levam ao cerne das idéias a serem trabalhadas e desafiam a imaginação e curiosidade. Esse procedimento motivaria o estudante a experimentar outros casos, questionar se sempre ocorre isso, tentar o que ocorria no caso de (4 + 5)3, etc. Só depois, numa outra etapa é que viria a generalização, a abstração.
5. Ênfase no “é assim que se faz” em lugar do “pense um pouco sobre isso”
Desde a educação infantil até mesmo no nível da educação superior, professores e apostilas, resolvem alguns “exercícios modelos”, mostrando como se faz e, logo em seguida, pedem dezenas de exercícios e problemas semelhantes para que o estudante resolva. Dizem que “não há tempo” para deixar os estudantes a pensarem por si mesmos sobre aquilo, a experimentarem suas próprias idéias e intuições. Se assim fizessem, transformaríamos o professor em apenas um orientador, um incentivador, um burilador das idéias e iniciativas dos estudantes. “Não havendo tempo” para tudo isso, preferem o “é assim que se faz – façam agora estes outros exercícios”.
Coisas interessantes ocorrem quando deixamos os estudantes a experimentarem suas próprias idéias. Veja, por exemplo, um aluno de 4ª série do ensino fundamental, efetuando, corretamente e de modo criativo, uma multiplicação, quando foi deixado a pensar por si mesmo:
       15               Ele multiplicou 2 (unidades) por 5 (unidades) resultando 10. Em
    x 12               seguida, multiplicou 2 (unidades) por 10 (unidades) resultando 20
       10               (unidades). Depois, 10 (unidades por 5 (unidades) resultando 50 e,
       20 +            finalmente, 10 (unidades) por 10 (unidades) resultando  100
       50               (unidades) Da soma de tudo, obteve 180.
      100
      180
Infelizmente, é bem provável, que se ele fizesse desta maneira numa provinha, não seria considerado correto.
Poderíamos dizer que a ênfase no “assim que se faz” faz parte da ênfase na “repetição” e “imitação” que veremos a seguir.
6. Ênfase na repetição e imitação em detrimento ao incentivo à criatividade, curiosidade, iniciativa e exploração.
“ A repetição leva à fixação”. Diríamos que a repetição leva à automatização cega. Resolver exercícios por imitação ao professor ou ao texto, repetindo várias vezes o mesmo procedimento, é uma tônica na aprendizagem da Matemática.
Um outro caminho, muito mais significativo para nós é aproveitar a curiosidade (especialmente nos níveis iniciais) do estudante, incentivar suas iniciativas de exploração e redescoberta de conceitos, leis, padrões de regularidade, enfim, desenvolver sua criatividade.
Facilitar a participação ativa do estudante na resolução de problemas através do pensamento reflexivo, incentiva-lo a fazer perguntas, propor outras soluções a uma determinada questão, justificar suas informações, explorar de modo independente um determinado assunto, elaborar pequenos projetos de pesquisa e redigi-los, tudo isso pode auxiliar o desenvolver da criatividade.
Apenas para concretizar, citamos algumas questões que a nosso ver poderiam facilitar o desenvolvimento da iniciativa e criatividade dos estudantes:
1. Escreva algumas sentenças matemática verdadeiras usando apenas os números 2, 3 e 8. Por exemplo,
     23 – 8 = 0
2. A soma de dois números ímpares é 20. Quais são os números ?
3. Investigue o conjunto de triângulos que tenham perímetro igual a 12 unidades.
4. Escreva sobre a matemática de um tabuleiro de damas.
5. Se (p + q) . (r + s) = 36, determine p, q, r e s.
6. Escreva dois problemas cujas respostas sejam o número 20.
7. Invente uma nova maneira de se efetuar a multiplicação de dois números.
8. Invente novos símbolos para números e um sistema de numeração com eles.
9. Descubra que relação existe entre o número de vértice (V), o número de faces (F), e o número de aresta (A) nos poliedros convexos conhecidos.
10. Escreva uma dissertação sobre triângulos.
11. Por que       não é   ?
7. Ênfase em operações rotineiras em lugar de explorar situações problema que
    envolvam as estudantes de modo significativo.
Desencadear um assunto do programa com uma situação problema real, motiva o estudante a interessar-se mais por aquilo que está aprendendo. Usar situações problemas onde se aplicam os conhecimentos matemáticos adquiridos provoca uma sensação no aluno de que além da beleza intrínseca da Matemática, como ciência essencialmente dedutiva, ela é útil na vida cotidiana. Praticamente todas as operações, equações e relações métricas da geometria euclidiana podem ser ensinadas com um dos dois enfoques acima.
Exemplificaremos rapidamente com a situação:
“Um terreno de esquina com a forma
 

                                a      h
                         
                                                        a
deve ser cercado com arame. É possível encontrar um pedaço de arame que caiba ao mesmo tempo, um nº inteiro de vezes em a e em h ?
Esta situação pode desencadear o estudo de medida, envolve a relação de Pitágoras, leva-nos a um capítulo dos mais importantes da história da Matemática que é a dos números racionais e irracionais, dos segmentos comensuráveis e incomensuráveis, ao estudo dos radicais (h = a ), etc. Os fenômenos físicos, biológicos, etc., são fontes interessantes destas motivações ou aplicações da Matemática.
Resolução de situações-problema é atualmente uma das linhas de pesquisa mais desenvolvidas em Educação Matemática.
8. Ênfase nos resultados e não no processo de aprendizagem.
É muito comum o professor ir diretamente no resultado de um exercício ou problema e caso o estudante apresente-o errado, a questão é considerada totalmente errada. È raro verificar-se qual foi o procedimento adotado para se resolver o problema, se o caminho adotado foi imaginativo ou não, se relacionamento e analogias foram feitos ou não, se casos particulares foram pesquisados ou não, se outro conhecimentos foram transferidos para aquela situação, etc.
É muito comum também, professor e textos enfatizarem resultados como Relação de Pitágoras. Áreas de regiões planas, sem que o processo para a se chegar a estes resultados sejam discutidos em detalhes. Sobre isso convém lembrar que Pogorélov disse “ a tarefa essencial do ensino da Geometria na escola consiste em ensinar o aluno a raciocinar logicamente, argumentar suas informações e demonstrações. Muito poucos dos que saem da escola serão matemáticos e muito menos geômetras. Também haverá os que não usam, nem uma vez em sua atividade prática e o teorema de Pitágoras. Sem dúvida, dificilmente haverá um só que não deva raciocinar, analisar ou demonstrar”.
Prestar atenção e descobrir como as crianças aprendem Matemática e resolvem situações-problema, é uma das mais promissoras linhas de pesquisa em Educação Matemática, como já assinalou Freudenthal.
9. Ênfase em ensino desligado da vivência do estudante, em lugar de aproveitar a experiência acumulada no dia-a-dia dele.
É comum o professor estar com dificuldade de ensinar, por exemplo, as operações com números inteiros relativos e, ao mesmo tempo, naquela sala de aula, dois alunos estarem conversando sobre figurinhas assim: “eu devia 3 figurinhas para você; agora você me deu 5; então, passo a dever 2 a você”. Informalmente, eles já sabem operar com tais números e isso não é levado em conta. O mesmo ocorre quando crianças constroem pipas, carrinhos, etc. muitos conceitos matemáticos aí envolvidos, informal e intuitivamente elas já conhecem e manipulam, mas, tudo isso não é aproveitado, pois o ensino já se inicia de maneira formal.
10. Ênfase num ensino isolado no currículo, sem esforços suficientes para interligá-lo com outras áreas do conhecimento.
Do ponto de vista didático, seria interessante que se procurassem pontos de contacto entre a Matemática e outras áreas do conhecimento como ciência, geografia, biologia, a historicamente inspiradora física, português, etc.
Vale aqui o que escrevemos para as situações-problema.
11. Ênfase na pressa e impaciência manifestada pelo sistema educacional (programas, textos, professores, etc), forçando que os resultados mais importantes apareçam logo nas crianças e que elas emitam rapidamente respostas corretas, não importando como isso está realmente se realizando, se por compreensão ou simples mecanização
A Matemática sendo considerada precisa, ciência que “não admite meio certo”, é usada no sentido punitivo- a criança não pode titubear, pensar muito ou “errar”,  “Não há tempo a perder, é preciso cumprir o programa”. Assim, as respostas devem vir imediata e corretamente. À ordem 3 x 4 é preciso responder, “sem pensar”, com um pronto 12 !
Os “erros! Poderiam ser aproveitados para esclarecimentos e não para a punição e a pressa..., para que pressa ? Se fizéssemos uma avaliação no final da 8ª série do ensino fundamental (como também no final de todos os níveis de ensino) para detectar o que ficou realmente de significativo após 8 anos de estudos, teríamos uma grande surpresa. E aí, como justificar aquela pressa toda ?
É importante observar aqui, que há uma certa ênfase em considerar as pressões sobre os alunos como algo imutável: “você deve fazer isso”, “pense assim”, etc. A criança que é, por sua própria natureza curiosa, exploradora, criativa, passa pouco a pouco, com todas essas recomendações limitadoras, a ser conformista, a tentar agradar o professor e a se adaptar às outras pressões, procurando apenas “caminhos seguros” para obtenção de “respostas certas”, pois estas é que serão de alguma forma recompensadas. Sendo as recompensas (notas, promoções, elogios, etc) o objetivo principal, toda a riqueza de uma aprendizagem matemática mais significativa, envolvente e criativa cede lugar à memorização de “atalhos”, “habilidades chaves”, “dicas”, etc. que levam mais rapidamente ao objetivo, sem precisar pensar muito sobre o que se está fazendo. E, a dicotomia certo-errado entra em cheio aqui para reforçar esta situação. Tudo isso faz com que os alunos, desde as primeiras séries, vão acumulando, conformadamente, dúvidas e confusões, algoritmos impostos sem prévia compreensão, etc.
Uma linha de pesquisa em Educação Matemática que estuda tais pressões e suas conseqüências no comportamento dos alunos é a chamada Ansiedade com relação à Matemática.
12. Ênfase nos assuntos de aritmética e álgebra, em detrimento ao ensino de Geometria.
Por falta de solidez nos conhecimentos de Geometria e conseqüente insegurança para ensinar tal assunto, uma ênfase exagerada é dada aos desenvolvimentos algébricos e, praticamente, a Geometria não é mais desenvolvida nas salas de aula, embora apareça em programas, textos, etc. Não há espaço para dizer aqui o grande valor educativo e formativo que se perde, quando passamos a não mais ensinar Geometria em nossas escolas.
Estas são, em linhas gerais, as ênfases que estão sendo dadas ao ensino da Matemática, segundo nossa visão e experiência.
SE concordarmos que estas características, com maior ou menor intensidade, estão presentes em nossas aulas de Matemática e SE concordarmos também que ao trabalhar as primeiras idéias matemática com os estudantes, devemos propiciar uma atmosfera de busca, de redescoberta, de pensamento, de explorações intuitivas, liberando a imaginação criativa, a iniciativa, permitindo a compreensão dos conceitos e propriedades para serem aplicadas em situações novas, ENTÃO, o mínimo que podemos reivindicar é uma revisão ampla, profunda e cuidadosa de tais ênfases.
Dante, 1984.

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