ÊNFASES DOMINANTES NO ENSINO
DA MATEMÁTICA E ALGUMAS INDICAÇÕES PARA MUDANÇAS. (*)
(*) Trabalho publicado na RPM Nº 6, pág. 32, no primeiro semestre de 1985.
Luiz Roberto Dante
Ao analisar ampla e
profundamente o ensino da Matemática em todos os níveis e, em especial nos
níveis fundamental e médio, podemos contatar certas ênfases que vêm sendo dadas
a este ensino, em detrimento de outras. O objetivo deste trabalho é apresentar
estas ênfases, fazer breves comentários a respeito delas e propor mudanças que,
para nós, parecem significativas para a melhoria do ensino da Matemática em
nossas escolas.
Assistindo aulas de
Matemática, verificando os cadernos dos estudantes, analisando planejamentos
escolares, textos, apostilas, provas e testes aos quais os estudantes são
submetidos, constatamos que certos aspectos do ensino da Matemática são
supervalorizados e enfatizados, enquanto que outros, que nos parecem mais
desejáveis, são negligenciados ou, quando muito, pouco enfatizados. Constatamos
as seguintes características:
1.
Ênfase nas codificações precoces, na linguagem e no simbolismo, em destino
das idéias matemáticas.
Desde a primeira série do
ensino fundamental, o aluno é colocado em contacto com a codificação dos
números naturais já no sistema de numeração decimal onde, por exemplo, lhe é
pedido para escrever números de 1 a 100, sem que ele tenha ainda experienciado
a idéia de quantidade. Para explorar de modo
mais criativo, por exemplo, a idéia da quantidade
cinco
podemos
solicitar a uma criança que faça um desenho usando cinco traços (uma outra pode
verificar se está usando mesmo cinco), que construa algo com cinco blocos, que
procure alguma coisa escondida tendo direito a olhar em cinco lugares, que
invente uma estória com cinco personagens, que disponha de todas as maneira
possíveis cinco tampinhas.
etc,
que junte
grupos de tampinhas que totalizem cinco, como por exemplo,
● com ●●●●, ●●
com ●●●, ●●● com ●●, ●●●● com ●, nenhum com ●●●●●, que desenhe a estrela de
cinco “pontas” e assim por diante, já tendo explorado assim a idéia de cinco,
apareciam o símbolo 5, sem forçar o conceito abstrato de cinco ou do símbolo 5.
A contagem,
registrada de várias maneiras como por exemplo, com traços.
І ІІ ІІІ ІІІІ ІІІІ І etc.
Ou assim
Etc.
Ou de qualquer forma que a
criança queira registrar poderia acontecer a contagem dada já na codificação
decimal.
Dadas duas quantidades representadas, por exemplo,
por
ІІІІІІІІІ ІІІІІ e ІІІІІІІІІ ІІІ
poderíamos explorar as idéias
de juntar, somar, obtendo
ІІІІІІІІІ ІІІІІІІІІ ІІІІІІІІ
bem como a de tirar,
subtrair, obtendo ІІ. Estas explorações deveriam
anteceder as operações já codificadas como 15 + 13 ou 15 – 13.
Quanto à linguagem
matemática, útil e poderosa em outros níveis, nas séries iniciais do ensino
fundamental poderia deixar de ser tão enfatizada como é. Por exemplo, a idéia
de que “ a soma de dois números naturais quaisquer é sempre um número natural”
é tão intuitiva e tão bem aceita pelos alunos que não há necessidade de
mascará-la com a sofisticada linguagem matemática.
a N, b e N, c N / a + b = c
que é muito apreciada pelos
alunos que trabalham anos em Matemática, mas não por crianças iniciantes. A
linguagem matemática deve ser introduzida gradativamente e à medida que for estritamente necessária.
Os simbolismos já aparecem até mesmo
no nível pré-escolar, onde a criança se perde num emaranhado de símbolos como , c, , { }, 0, ∩,
∪, , etc, sem que os mesmos
tenham algum significado para ela. As idéias mesmo do “está” ou “pertence”, da
intersecção entre conjuntos, etc, não são exploradas suficiente antes de se
utilizar todo esse aparato simbólico.
2.
Ênfase no treino de habilidades e memorização de algoritmos em detrimento a uma
aprendizagem compreensiva dos conceitos e propriedades envolvidas.
A habilidade mecanizada em
recitar a tabuada, em efetuar cálculos envolvendo as operações definidas nos
vários conjuntos numéricos, a habilidade em resolver os vários tipos de
equações, a habilidade em calcular áreas e volumes de figuras geométricas, a
habilidade em calcular a inversa de uma matriz, de determinar a derivada ou
integral de certas funções, etc., é uma característica tão marcante no ensino
da Matemática, que deixa a impressão que ensinar Matemática é ensinar tais
habilidades e apenas isso. O pensar, as idéias, a compreensão dos conceitos e
propriedades, a beleza construtiva e dedutiva da Matemática, as interpretações
geométricas das propriedades, etc., soa pouco enfatizadas nesse ensinar.
A memorização de algoritmos sem
compreender o que se faz é outro ponto crucial. Porque, por exemplo, “vai um”
numa adição ? Por que se multiplica e divide assim dois números naturais ? Por que
se extrai a raiz quadrada dessa maneira ? Por que se calcula o máximo divisor
assim ? Aos alunos não é dada a oportunidade de conhecer os conceitos e
propriedades matemáticas que estão por detrás disso tudo. A apresentação dos
algoritmos, unicamente nas suas formas finais, acabadas e compactas, não dá aos
estudantes, as idéias das gêneses destes algoritmos e tampouco a compreensão
dos mesmos. Vejamos um exemplo para tentar mostrar o longo caminho que antecede
a forma mais compacta e final de um algoritmo. Já na primeira vez que a criança
entra em contacto com a divisão, ela é mecanicamente pelo algoritmo:
Diríamos que isso é o “final da estória”.
Senão vejamos.Poderíamos partir de uma situação real como “ Repartir igualmente
R$123,00 entre 3 crianças” . Inicialmente isso poderia ser realizado
concretamente, dando uma nota de R$100,00, 2 notas de R$10,00 e 3 notas de
R$1,00 a três crianças e pedir que elas dividam igualmente entre si e caso
necessitem de “troco” podem se utilizar do “banco” ao lado (que pode ser uma
caixa de sapatos com notas de R$1,00, R$10,00 e de R$100,00 o dinheiro pode ser
de verdade ou de cartolina, papel, etc.). Depois de várias tentativas, as
crianças, incentivadas pelo professor, fazendo trocos e distribuindo as notas
entre si, resolvem concretamente o problema. O professor registra o
procedimento que elas tiveram. Um possível registro seria
Temos
|
|
Cada um recebe
|
|||||
|
100
|
10
|
1
|
|
100
|
10
|
1
|
|
1
|
2
|
3
|
|
0
|
0
|
0
|
Troca
|
0
|
12
|
3
|
|
0
|
0
|
0
|
Distribui
|
0
|
0
|
3
|
|
0
|
4
|
0
|
Distribui
|
0
|
0
|
0
|
|
0
|
4
|
1
|
Houve uma troca de uma nota de Cr$
100,00 por 10 notas de Cr$ 10,00 e com as 2 já existente resultaram 12. Em
seguida, houve duas distribuições: as 12 notas de Cr$ 10,00 e as 3 notas de Cr$
1,00, resultando que cada um recebe 4 notas de Cr$ 10,00 e 1 nota de Cr$ 1,00.
Aqui neste quadro já fica claro porque ao dividir 123 : 3, “ 1 não dá para
dividir por 3 então ‘abraçamos’ o 2 ficando com
”
Na
verdade, estamos tomando 12 dezenas. O quadro acima pode ser simplificado para
(“método longo”)
ou, reduzindo mais ainda ficar
(“método
breve”)
Realmente,
este último algoritmo tem a vantagem de ser o mais sintetizado, o mais compacto
de todos, mas ensinar a divisão, pela primeira vez, utilizando-o, é esconder
toda a compreensão evidenciada nos passos anteriores. Dar oportunidade para que
o aluno experimente outras maneiras de dividir também é desejável. Por exemplo,
poder-se-ia associar a divisão com subtrações sucessivas. Assim a divisão 15 :
3 pode ser traduzida pela pergunta “Quantos 3 cabem em 15 ? ”
15 – 3 = 12 12 – 3 = 9 9 – 3 = 6 6 – 3 = 3 3
– 3 = 0
cabe cabem
cabem cabem cabem
1 vez 2 vezes 3
vezes 4 vezes 5 vezes
Cabem 5 vezes, logo 15 : 3
= 5. Este método poderia ser usado ao introduzir a divisão de números pequenos.
Para números grandes, uma variante deste método, é o chamado “método das
estimativas”. Por exemplo 123 : 3 poderia ser obtido assim
123 3
-30 10 onde o estudante vai
“estimando” se cabe 10 vezes
93
10 o 3 em 123,
se cabe mais 10 vezes, etc, obtendo por
30 20 soma, o 41. Assim cabem 41 vezes o 3 no 123
63 1 Logo, 123 : 3 = 41
- 60 41
3
- 3
0
Já na 5ª série, a
justificativa do algoritmo com base na decomposição de um número em potências
de 10 se faz necessário. Assim, para 123 : 3,
Primeiro vemos qual é o
maior número entre, , , ,... tal que multiplicando por 3 não ultrapassa 123. Temos
100x 3 = 3
101x 3 = 30
102x 3 = 300
Logo é 101. Vemos a seguir qual é o
maior entre
1 x 101 = 10
2 x 101 = 20
3 x 101 = 30
9 x 101 = 90
tal que multiplicado por 3
não ultrapassa 123. Temos
1 x 101 x 3 = 30
2 x 101 x 3 = 60
3 x 101 x 3 = 90
4 x 101 x 3 = 120
5 x 101 x 3 = 150
Logo é 4 x 101.
Com essa aproximação temos
123 = (4 x 101) x
3 + 3
123 – 120 = 3. A seguir
tomamos o resto 3 e repetimos o processo obtendo:
3 = (1 x 100) x 3
Daí, 123 = 4 x 101)
x 3 + (1 x 100) x 3
= (4 x 101
+1 x 100) x 3
= 41 x 3
Veja tudo isso resumido no algoritmo
123 3
-120 4 x 101 + 1 x 100
3
-3 41
0
3.
Ênfase em regras e esquemas em detrimento dos porquês, do significado do que
se faz.
Quanto às regras e esquemas
mecanizados vamos exemplificar apenas com um deles que é muito enfatizado. Ao
resolver uma equação do 1º grau por exemplo, x + 5 = 11 é enfatizado o chavão
“muda-se de membro, muda-se o sinal”. E é comum ouvir “explicações” do tipo “o
sinal de igual é um transformador de sinais: ele transforma 0 + em – e o x em: vice-versa” ou coisas assim: “para
que o sinal + passe pelo = ele precisa se comprimir e tornar-se – e como está
comprimido, ao passar pelo =, em outra oportunidade, ele se abre tornando-se +
”. Estas estórias não trazem consigo nenhuma idéia ou propriedade matemática e,
portanto, não têm sentido, sendo mesmo prejudiciais.
Repare a diferença destas com
uma outra interpretação que trás em si a idéia matemática correta: A igualdade
representa um equilíbrio. È como se tivéssemos uma balança de dois pratos. Ao
colocar um peso
x + 5
= 11
um dos pratos devemos colocar o mesmo
peso no outro prato para manter este equilíbrio. O mesmo ocorre quando
retiramos o mesmo peso de ambos os pratos. Assim, retirando 5 de ambos os
pratos temos
x + 5 – 5 = 11 – 5 , ou seja, x
= 6
Percebemos que a propriedade
matemática presente é que uma igualdade não se altera quando somamos ou
subtraímos um mesmo número em ambos os membros. Outras interpretações poderiam
ser exploradas, tais como, a que subtrair é o inverso de somar.
A + b = c c – b = a
e relacionamentos intuitivos
poderiam ser feitos com certas situações, tais como
Pense num Nº que somado com 5
resulte 11
Tinha um certo nº de
figurinhas no álbum. Colei 5 e fiquei com 11. Quantas já estavam coladas ?
ou
Estou numa marca deste
caminho
• • • • • • • • • • • • • •
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Se andar cinco marcas no
sentido indicado chego na marca 11.
Em que marca estou ?
etc.
Ao abandonar essas
justificativas e relacionamentos, na busca de um atalho para se fazer mais
depressa os exercícios, surge o “passar para o outro membro mudando de sinal”
que se cristaliza e permanece.
4.
Ênfase no formalismo, nas abstrações precoces, em detrimento a um ensino
mais intuitivo, menos formal.
A passagem do intuitivo ao
formal corresponde à passagem do significativo, do criativo, ao denotativo, à
linguagem. Quando apresentamos formalmente ao estudante uma propriedade
matemática já na sua forma abstrata, generalizada, como por exemplo, para
quaisquer naturais a e
b temos
(a + b)2 = a2
+ 2ab + b2
o estudante a aceita sem
questionar, sem descobrir nada, sem criar, como se fosse um dogma e procura
decorá-la. Ao passo que Explorações intuitivas tais como verificar o que ocorre
em, por exemplo, (3 + 4)2 já
conhecendo 32 = 3 x 3 e 42 = 4 x 4
(3 + 4)2 = (3 + 4)
. (3 + 4) = 3.3 + 3.4 + 4.3 + 4.4 =
= 32 +
2.3.4 + 42
e, paralelamente, verificar o
que ocorre no interior de um quadrado quando decompomos o seu lado em duas
partes:
3
4
3
|
32
|
3.4
|
3
|
4
|
4.3
|
42
|
4
|
3
4 Obtemos dois
quadrados, um cuja medida do lado é 3,
outra cuja medida do lado é 4 e
dois retângulos de 3 por 4.
Estas explorações levam ao
cerne das idéias a serem trabalhadas e desafiam a imaginação e curiosidade.
Esse procedimento motivaria o estudante a experimentar outros casos, questionar
se sempre ocorre isso, tentar o que ocorria no caso de (4 + 5)3,
etc. Só depois, numa outra etapa é que viria a generalização, a abstração.
5. Ênfase no “é
assim que se faz” em lugar do “pense um pouco sobre isso”
Desde a educação infantil até
mesmo no nível da educação superior, professores e apostilas, resolvem alguns
“exercícios modelos”, mostrando como se faz e, logo em seguida, pedem dezenas
de exercícios e problemas semelhantes para que o estudante resolva. Dizem que
“não há tempo” para deixar os estudantes a pensarem por si mesmos sobre aquilo,
a experimentarem suas próprias idéias e intuições. Se assim fizessem,
transformaríamos o professor em apenas um orientador, um incentivador, um
burilador das idéias e iniciativas dos estudantes. “Não havendo tempo” para
tudo isso, preferem o “é assim que se faz – façam agora estes outros
exercícios”.
Coisas interessantes ocorrem
quando deixamos os estudantes a experimentarem suas próprias idéias. Veja, por
exemplo, um aluno de 4ª série do ensino fundamental, efetuando, corretamente e
de modo criativo, uma multiplicação, quando foi deixado a pensar por si mesmo:
15 Ele
multiplicou 2 (unidades) por 5 (unidades) resultando 10. Em
x 12 seguida, multiplicou 2 (unidades) por 10 (unidades)
resultando 20
10 (unidades).
Depois, 10 (unidades por 5 (unidades) resultando 50 e,
20 + finalmente,
10 (unidades) por 10 (unidades) resultando
100
50 (unidades)
Da soma de tudo, obteve 180.
100
180
Infelizmente, é bem
provável, que se ele fizesse desta maneira numa provinha, não seria considerado
correto.
Poderíamos dizer que a ênfase
no “assim que se faz” faz parte da ênfase na “repetição” e “imitação” que
veremos a seguir.
6. Ênfase na
repetição e imitação em detrimento ao incentivo à criatividade, curiosidade,
iniciativa e exploração.
“ A repetição leva à
fixação”. Diríamos que a repetição leva à automatização cega. Resolver
exercícios por imitação ao professor ou ao texto, repetindo várias vezes o
mesmo procedimento, é uma tônica na aprendizagem da Matemática.
Um outro caminho, muito mais
significativo para nós é aproveitar a curiosidade (especialmente nos níveis
iniciais) do estudante, incentivar suas iniciativas de exploração e
redescoberta de conceitos, leis, padrões de regularidade, enfim, desenvolver
sua criatividade.
Facilitar a participação
ativa do estudante na resolução de problemas através do pensamento reflexivo,
incentiva-lo a fazer perguntas, propor outras soluções a uma determinada
questão, justificar suas informações, explorar de modo independente um
determinado assunto, elaborar pequenos projetos de pesquisa e redigi-los, tudo
isso pode auxiliar o desenvolver da criatividade.
Apenas para concretizar,
citamos algumas questões que a nosso ver poderiam facilitar o desenvolvimento
da iniciativa e criatividade dos estudantes:
1.
Escreva algumas sentenças matemática verdadeiras usando apenas os números 2, 3
e 8. Por exemplo,
23 – 8 = 0
2. A
soma de dois números ímpares é 20. Quais são os números ?
3.
Investigue o conjunto de triângulos que tenham perímetro igual a 12 unidades.
4.
Escreva sobre a matemática de um tabuleiro de damas.
5.
Se (p + q) . (r + s) = 36, determine p, q, r e s.
6.
Escreva dois problemas cujas respostas sejam o número 20.
7.
Invente uma nova maneira de se efetuar a multiplicação de dois números.
8.
Invente novos símbolos para números e um sistema de numeração com eles.
9.
Descubra que relação existe entre o número de vértice (V), o número de faces
(F), e o número de aresta (A) nos poliedros convexos conhecidos.
10.
Escreva uma dissertação sobre triângulos.
11.
Por que não é ?
7. Ênfase em operações
rotineiras em lugar de explorar situações problema que
envolvam as estudantes de modo
significativo.
Desencadear um assunto do
programa com uma situação problema real, motiva o estudante a interessar-se
mais por aquilo que está aprendendo. Usar situações problemas onde se aplicam
os conhecimentos matemáticos adquiridos provoca uma sensação no aluno de que
além da beleza intrínseca da Matemática, como ciência essencialmente dedutiva,
ela é útil na vida cotidiana. Praticamente todas as operações, equações e
relações métricas da geometria euclidiana podem ser ensinadas com um dos dois
enfoques acima.
Exemplificaremos
rapidamente com a situação:
“Um terreno
de esquina com a forma
a h
a
deve ser cercado
com arame. É possível encontrar um pedaço de arame que caiba ao mesmo tempo, um
nº inteiro de vezes em a e em h ?
Esta situação pode
desencadear o estudo de medida, envolve a relação de Pitágoras, leva-nos a um
capítulo dos mais importantes da história da Matemática que é a dos números
racionais e irracionais, dos segmentos comensuráveis e incomensuráveis, ao
estudo dos radicais (h = a ), etc. Os fenômenos físicos, biológicos, etc., são fontes
interessantes destas motivações ou aplicações da Matemática.
Resolução de
situações-problema é atualmente uma das linhas de pesquisa mais desenvolvidas
em Educação Matemática.
8. Ênfase nos
resultados e não no processo de aprendizagem.
É muito comum o professor ir
diretamente no resultado de um exercício ou problema e caso o estudante
apresente-o errado, a questão é considerada totalmente errada. È raro
verificar-se qual foi o procedimento adotado para se resolver o problema, se o
caminho adotado foi imaginativo ou não, se relacionamento e analogias foram
feitos ou não, se casos particulares foram pesquisados ou não, se outro
conhecimentos foram transferidos para aquela situação, etc.
É muito comum também,
professor e textos enfatizarem resultados como Relação de Pitágoras. Áreas de
regiões planas, sem que o processo para a se chegar a estes resultados sejam
discutidos em detalhes. Sobre isso convém lembrar que Pogorélov disse “ a
tarefa essencial do ensino da Geometria na escola consiste em ensinar o aluno a
raciocinar logicamente, argumentar suas informações e demonstrações. Muito
poucos dos que saem da escola serão matemáticos e muito menos geômetras. Também
haverá os que não usam, nem uma vez em sua atividade prática e o teorema de
Pitágoras. Sem dúvida, dificilmente haverá um só que não deva raciocinar,
analisar ou demonstrar”.
Prestar atenção e descobrir
como as crianças aprendem Matemática e resolvem situações-problema, é uma das
mais promissoras linhas de pesquisa em Educação Matemática, como já assinalou
Freudenthal.
9. Ênfase em
ensino desligado da vivência do estudante, em lugar de aproveitar a
experiência acumulada no dia-a-dia dele.
É comum o professor estar com
dificuldade de ensinar, por exemplo, as operações com números inteiros
relativos e, ao mesmo tempo, naquela sala de aula, dois alunos estarem
conversando sobre figurinhas assim: “eu devia 3 figurinhas para você; agora
você me deu 5; então, passo a dever 2 a você”. Informalmente, eles já sabem
operar com tais números e isso não é levado em conta. O mesmo ocorre quando
crianças constroem pipas, carrinhos, etc. muitos conceitos matemáticos aí
envolvidos, informal e intuitivamente elas já conhecem e manipulam, mas, tudo
isso não é aproveitado, pois o ensino já se inicia de maneira formal.
10. Ênfase num
ensino isolado no currículo, sem esforços suficientes para interligá-lo com
outras áreas do conhecimento.
Do ponto de vista didático,
seria interessante que se procurassem pontos de contacto entre a Matemática e
outras áreas do conhecimento como ciência, geografia, biologia, a
historicamente inspiradora física, português, etc.
Vale aqui o que escrevemos para
as situações-problema.
11. Ênfase na
pressa e impaciência manifestada pelo sistema educacional (programas, textos,
professores, etc), forçando que os resultados mais importantes apareçam logo
nas crianças e que elas emitam rapidamente respostas corretas, não importando
como isso está realmente se realizando, se por compreensão ou simples
mecanização
A Matemática sendo
considerada precisa, ciência que “não admite meio certo”, é usada no sentido
punitivo- a criança não pode titubear, pensar muito ou “errar”, “Não há tempo a perder, é preciso cumprir o
programa”. Assim, as respostas devem vir imediata e corretamente. À ordem 3 x 4
é preciso responder, “sem pensar”, com um pronto 12 !
Os “erros! Poderiam ser
aproveitados para esclarecimentos e não para a punição e a pressa..., para que
pressa ? Se fizéssemos uma avaliação no final da 8ª série do ensino fundamental
(como também no final de todos os níveis de ensino) para detectar o que ficou
realmente de significativo após 8 anos de estudos, teríamos uma grande
surpresa. E aí, como justificar aquela pressa toda ?
É importante observar aqui,
que há uma certa ênfase em considerar as pressões sobre os alunos como algo
imutável: “você deve fazer isso”, “pense assim”, etc. A criança que é, por sua
própria natureza curiosa, exploradora, criativa, passa pouco a pouco, com todas
essas recomendações limitadoras, a ser conformista, a tentar agradar o
professor e a se adaptar às outras pressões, procurando apenas “caminhos
seguros” para obtenção de “respostas certas”, pois estas é que serão de alguma
forma recompensadas. Sendo as recompensas (notas, promoções, elogios, etc) o
objetivo principal, toda a riqueza de uma aprendizagem matemática mais
significativa, envolvente e criativa cede lugar à memorização de “atalhos”, “habilidades
chaves”, “dicas”, etc. que levam mais rapidamente ao objetivo, sem precisar
pensar muito sobre o que se está fazendo. E, a dicotomia certo-errado entra em
cheio aqui para reforçar esta situação. Tudo isso faz com que os alunos, desde
as primeiras séries, vão acumulando, conformadamente, dúvidas e confusões,
algoritmos impostos sem prévia compreensão, etc.
Uma linha de pesquisa em
Educação Matemática que estuda tais pressões e suas conseqüências no
comportamento dos alunos é a chamada Ansiedade com relação à Matemática.
12.
Ênfase nos assuntos de aritmética e álgebra, em detrimento ao ensino de
Geometria.
Por falta de solidez nos
conhecimentos de Geometria e conseqüente insegurança para ensinar tal assunto,
uma ênfase exagerada é dada aos desenvolvimentos algébricos e, praticamente, a
Geometria não é mais desenvolvida nas salas de aula, embora apareça em
programas, textos, etc. Não há espaço para dizer aqui o grande valor educativo
e formativo que se perde, quando passamos a não mais ensinar Geometria em
nossas escolas.
Estas são, em linhas gerais,
as ênfases que estão sendo dadas ao ensino da Matemática, segundo nossa visão e
experiência.
SE concordarmos
que estas características, com maior ou menor intensidade, estão presentes em
nossas aulas de Matemática e SE concordarmos também que ao trabalhar as
primeiras idéias matemática com os estudantes, devemos propiciar uma atmosfera
de busca, de redescoberta, de pensamento, de explorações intuitivas, liberando
a imaginação criativa, a iniciativa, permitindo a compreensão dos conceitos e
propriedades para serem aplicadas em situações novas, ENTÃO, o mínimo
que podemos reivindicar é uma revisão ampla, profunda e cuidadosa de tais
ênfases.
Dante, 1984.
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